"Somos servos do Altíssmo, propagadores de uma mensagem que otempo não destruiu e nunca destruirá, nem as artimanhas do inimigo; a mensagem é que Jesus Cristo é o Senhor e reina soberano sobre as nossas vidas".

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO (Artigo sobre música ruim) Por João Marcos Coelho


É uma verdadeira praga. Está em todos os lugares, em todos os momentos. É a música ruim. Liga-se o rádio e lá está ela. Entra-se no elevador, e vem mais baboseira. E tome-se o castigo em comerciais, nas chamadas dos programas bregas. O problema é universal.

Um grupo de quinze estudiosos reuniu-se num seminário nos EUA para discutir "Bad Music" (Música Ruim), título do livro agora publicado pela Routledge, que leva o subtítulo "The Music We Love to Hate" (A Música Que Adoramos Odiar). Os editores, Christopher J. Washburne e Maiken Derno, já pedem desculpas de saída, no prefácio: "Este livro surgiu durante um bate-papo em torno de uma taça de vinho a respeito da discrepância entre a música à qual os estudiosos dedicam seu precioso tempo e aquela que a maioria das pessoas neste mundo de fato ouvem. Com poucas exceções, os estudiosos acadêmicos tendem a focar na música que tem valor especial em termos de influência, competência e genealogia histórica - e evitam a música trivial, banal do dia-a-dia." Afinal, o que é música ruim?

Para o musicólogo alemão Theodor Adorno, a música do finlandês Sibelius era o máximo de ruindade. Hoje, todo e qualquer crítico de jazz politicamente correto está cansado de bater no saxofonista "light" Kenny G e chamá-lo de palhaço e artisticamente desonesto. Mas ele vendeu mais de 30 milhões de discos, e embalou milhões de pessoas em elevadores mundo afora, nas últimas décadas.

Aliás, todo mundo gosta de bater em cachorro morto. Que mal há em espinafrar as duplas caipiras tipo Chitãozinho e Xororó, a breguíssima Roberta Miranda ou o sumo-sacerdote Roberto Carlos? Não dói, e ainda por cima aumenta prestígio. Alfred Appel, autor de um belo livro, "Jazz and Modernism", diz a certa altura que "os rappers e os roqueiros são chamados de 'artistas' tão facilmente quanto os jornalistas que cobrem suas façanhas são alcunhados de 'críticos". Walter Benjamin, Susan Sontag e diversas outras cabeças estreladas nos advertiram que o tradicional fosso entre a baixa e a alta cultura baseou-se primariamente na diferença entre a aura única da obra de arte e a massificação dos objetos na indústria cultural - e que tudo que tem apelo de massa em geral é olhado como culturalmente suspeito - distorção que a mídia pratica com requintes de perversidade.

Washburne e Derno alertam para outro cacoete da mídia e da academia quando tratam de música ruim: a mania de pescar "jóias raras", que inexplicavelmente nascem no meio do lixo. "Por causa disso", dizem, "um vasto volume de música e músicos considerados medíocres, que não influenciaram ninguém e são comuns, é simplesmente recalcado. Estas pérolas flutuam, então, como minúsculos planetas num enorme universo de música que permanece anônima." Por quê? "Por que os centuriões da academia não valorizam este segmento de música."

O Valor ouviu cinco profissionais ligados à música que possuem sólidas carreiras no Brasil: um compositor erudito, um músico, dois maestros e um jornalista.

Surpreendentemente, encontra-se neles uma atitude em geral muito mais aberta do que a existente no meio musical americano.

O violoncelista Roberto Ring é integrante do grupo Solistas Interarte e diretor da Interarte Produções Artísticas. Ele não deixa por menos: confessa sua paixão juvenil por Roberto Carlos, espinafra um grande nome como o compositor checo Antonin Dvorak ("Tenho enjoos com a breguice americanizante da 'Sinfonia Novo Mundo' e do 'Quarteto Americano'; são muito cafonas, kitsch por definição") e se insurge contra as Nanaiás da vida ("Nada pior que uma soprano histérica com vibrato exagerado").

O compositor santista Gilberto Mendes, do alto de seus 81 anos, abre o jogo: "Acho chato músicas do tipo 'Luar do Sertão' (de Catulo da Paixão Cearense) e 'Tão Longe, de Mim Distante' (de Carlos Gomes), um certo tipo de brasileirismo musical, de modinhas imperiais. Como também acho chatos os chorinhos, com algumas exceções, raras, quando se trata de Pixinguinha, por exemplo. Que posso fazer? Meu gosto foi forjado ouvindo Duke Ellington, Count Basie, Benny Goodman, Stravinsky, Bartok. Na dissonância dura. Quando era criança, não gostava de tangos e fados. Depois passei a gostar, sobretudo dos tangos de Oswaldo Fresedo. O tango passou a habitar minha linguagem. Como pode ver, o gosto também pode mudar."

O maestro Luiz Fernando Malheiro, responsável por uma verdadeira revolução na ópera brasileira - lidera há sete anos o Festival de Manaus, onde completa este ano o ciclo completo do "Anel do Nibelungo", quatro imensas e dificílimas óperas de Richard Wagner, provando a viabilidade de centros líricos fora do eixo Rio-São Paulo - adora odiar "La Serva Padrona" (de Giovanni Pergolesi) e a escola napolitana em geral, embora reconheça sua importância; e também Philip Glass, "no qual não reconheço importância nenhuma". E confessa que adora assistir ao programa de Inezita Barrozo na TV Cultura, "com todos os que se apresentam lá".

Júlio Medaglia, maestro, animador cultural e apresentador de programa diário na Rádio Cultura FM de São Paulo, explica seus ódios e preferências: "Entre os bregas que odeio está essa música tida como 'sertaneja', dessas duplas que massacraram nossos ouvidos e a sensibilidade popular durante todos os anos 90 e que agora agonizam. A música feita por essas duplas não passa de um bolerão brega (em vários ritmos). No mesmo nível, equívoco e período também estão os tais grupos e músicas de pagode. Um lixo. Todas essa música junta não vale uma pausa de um pagode autêntico de um Cartola ou Nelson Cavaquinho." Entre as paixões secretas, ou "bregas que amo", diz Medaglia, estão "a música latino-americana dos anos 50, a bolerada dos Bienvenido Granda, Lucho Gatica, Trio los Panchos. Incluam-se aqui os brasileiros abolerados que fizeram coisas lindas: Evaldo Gouveia e Jair Amorim, Benito de Paula, sobretudo quando cantadas por Altemar Dutra.

O jornalista Carlos Maranhão gosta bastante de música clássica, vai a concertos com alguma freqüência e tem "predileções que não chegam a ser originais: do barroco ao contemporâneo, com ênfase em Bach, Mozart, Beethoven, Brahms, Stravinski, Bartok... Não tenho formação musical.
"Aprendi quase tudo o que sei ouvindo discos, acompanhando a ótima programação da Rádio Cultura FM e lendo e relendo o livro 'Uma Nova História da Música', de Otto Maria Carpeaux, que implicava com certos compositores e certas músicas."

Maranhão mostra que quase sempre o discurso especializado, esteja na mídia, na academia ou em livros básicos, mas muito pessoais, como o de Carpeaux, não tem a eficácia que se imagina. "Carpeaux lamentava, por exemplo, que o Concerto nº 1 para piano de Beethoven continuasse no repertório, assim como as duas primeiras sinfonias, por que dariam uma falsa imagem de sua música. Confesso que eu ouvia esse concerto com uma certa culpa... o que não acontece mais. Acho que toda música de que a gente gosta tem sua hora." Sim, pode ter sua hora o "Café da Manhã", de Roberto Carlos, assim como uma das preferências populares de Maranhão: Fagner e Joanna cantando "Meu Primeiro Amor".

A leitura de "Bad Music" e os depoimentos ensinam: um dos preconceitos mais perversos da mídia especializada e da academia dirige-se sempre à popularidade de determinadas obras. Se é popular, se agrada a todo mundo, então deve ser ruim, raciocinam os doutos das universidades e das redações. De novo, Maranhão: "No erudito, há alguns pernósticos que torcem o nariz para as passagens mais derramadas de Tchaikovski e Rachmaninov, sem falar das valsas de Strauss. Ou do "Bolero" de Ravel. Acho uma delícia ouvi-los."

Música ruim, portanto, é uma questão de gosto, e envolve um julgamento que depende das circunstâncias sociais e psicológicas no momento em que a pessoa o faz. Eu, por exemplo, adorei Tim Maia e a banda Black Rio desde o início, não dispenso Jorge Bem e adoro Betânia cantando Roberto Carlos (gosto mais de Erasmo do que do Rei). Nelson Gonçalves sempre será incrível ("Vermelho Vinte e Sete"). Quanto aos medalhões, acho um saco ouvir o chato João Gilberto cantando "O Pato" e reclamando do som e intragável o vibrato de Fagner. E não suporto mais a moda dos clones que assola a música popular.

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